O Rio Grande do Norte fechou 432 leitos pediátricos em 10 anos, de acordo com dados da plataforma Datasus, do Ministério da Saúde. Os números se referem aos leitos clínicos e cirúrgicos do próprio Sistema Único de Saúde (SUS) e da rede privada, mantidos com recursos do SUS. A redução em uma década é de 34,58% – eram 1.249 leitos em 2012 e em 2022 são 817. O quantitativo atual foi confirmado pela Secretaria Estadual de Saúde Pública (Sesap/RN).
As estatísticas sobre a quantidade de leitos para tratamento infantil no RN indicam uma redução quase que progressiva ao longo dos últimos 10 anos. Se em 2012 o Estado registrava 1.249 instalações, em 2013, o número caiu para 1.171. Em 2014, a quantidade reduziu para 1.128; para 1.076 em 2015; e para 960 em 2016. Em 2017, o número caiu para 948. Em 2018, 2019 e 2020, os leitos pediátricos do RN eram 895, 854 e 855, respectivamente. Em 2021, o número foi a 886, mas voltou a cair e hoje são 817 leitos pediátricos no Estado.
A redução preocupa, já que a oferta dos serviços fica comprometida, principalmente em época de surtos. Atualmente, o Estado, em especial a capital potiguar, passa por uma alta procura pelo setor de pediatria, por causa de síndromes gripais e casos de dengue. Para se ter uma ideia da situação, os atendimentos infantis na Unidade de Pronto Atendimento de Pajuçara, na zona Norte de Natal, cresceram 115% em março. A alta demanda ainda se mantém, segundo a Secretaria Municipal de Saúde (SMS/Natal).
Procurada para comentar o atual quadro de leitos no RN, a Sesap disse que a maioria das instalações encerradas era pactuada com hospitais que fecharam, como o Papi (a unidade encerrou as atividades em 2016). “Além disso, a Promater também tinha muitos leitos pactuados pelo SUS [o hospital não oferece mais serviços de pediatria]. Isso acarretou muito nessa diminuição”, disse a Sesap. Questionada sobre se pretende ampliar a oferta atual, a pasta não respondeu.
A procura pelos serviços, no entanto, parece seguir na contramão do encerramento de leitos, o que pode fazer aumentar o tempo de espera por uma cirurgia, por exemplo. A autônoma Edna Bezerra, de 35 anos, foi ao Hospital Pediátrico Maria Alice Fernandes na manhã da última sexta-feira (13) com o filho para uma avaliação com um cirurgião pediatra. A depender do resultado da avaliação, o menino poderia ficar internado. O filho de Edna precisava realizar uma cirurgia de fimose e estava na fila de espera há mais de três anos.
“Esse é um processo que tem sido difícil. Não sei como está a questão dos leitos, mas ouvir dizer que está bem cheio aqui no hospital”, contou Edna, enquanto esperava pela consulta junto com o filho. “Estou torcendo que ele fique internado para a cirurgia. A fimose vem causando bastante infecção urinária”, relatou a autônoma.
A estudante Mayara Oliveira, de 24 anos, estava com o filho Noah, de seis meses, internado em um dos leitos do Hospital Maria Alice. O pequeno foi diagnosticado com pneumonia na última terça-feira (10). Mayara disse que a situação no Hospital Maria Alice estava tranquila, mas conta que enfrentou dificuldades no atendimento inicial, que aconteceu na UPA de Parnamirim.
“Noah apresentou uma tosse e nós fomos para a Unidade de Pronto Atendimento. Lá, foi feito um raio-x, que indicou umas manchas brancas no pulmão dele e o médico disse que era pneumonia. Ficamos na UPA, mas lá não tinha atendimento adequado e nós fomos transferidos para cá. Chegamos aqui na quarta-feira e a situação é tranquila. Mas, em Parnamirim estava muito complicado, com superlotação. Foi bem difícil, porque são muitas crianças para pouca estrutura”, comenta a estudante.
De acordo com a diretora médica do Hospital Maria Alice Fernandes, Katleen Azevedo, os leitos na unidade, ao contrário do cenário no restante do Estado passaram por reativação de instalações nos últimos anos. “Temos 81 leitos no total. Houve um período em que teve diminuição, com a saída da UTI, mas que retornou em 2020, com a reabertura de 10 instalações”, afirmou a diretora.
Segundo ela, a superlotação em hospitais pediátricos nessa época do ano é comum, decorrente principalmente de síndromes gripais, pneumonia e dengue. “Lembrando que os leitos que atendem a essa demanda não são os mesmos destinados a cirurgias”, pontua.
Conselho de Medicina vê pediatria “deficitária”
Para Marcos Jácome, presidente do Conselho Regional de Medicina do RN (Cremern), o setor pediátrico do Estado é “extremamente deficitário’, tanto no setor público quanto no privado. “Temos dificuldades de agendamento para pediatria nos melhores planos de saúde e até particular, o que significa que a demanda é maior que a procura”, diz Jácome.
A estrutura atual, segundo ele, atende parcialmente à demanda, com tendência de agravamento em situações como as registradas neste período, com uma grande procura pelos serviços nas unidades de Saúde. Jácome defende um aprimoramento do atendimento básico e uma ampliação da estrutura para atendimento emergencial, tanto do ponto de vista de Recursos Humanos quanto da adequação dos locais de atenção à urgência.
Além disso, Marcos Jácome indica que o pediatra precisa de uma maior valorização, para que a especialidade se torne mais atrativa e consiga manter os profissionais na área. “No longo prazo, tem que haver uma política que incentive o estudante de medicina e o recém formado a procurar a especialização em pediatria, pois atualmente tem uma tendência de procura de áreas onde as especialidades são mais rentáveis”, sublinha.
A professora do Departamento de Pediatria da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Dpedi/UFRN), Jussara Melo de Cerqueira, chama a atenção para o fato de que grande parte dos serviços de atenção básica não contam, sequer, com pediatras, o que seria o ideal, segundo ela. “O que se preconiza é que, na atenção básica, haja pelo menos um profissional pediatra compondo a equipe, já que o clínico geral não necessariamente vai ter expertise no tratamento da criança. Mas isso, na maioria das vezes, não acontece”, explica.
Na contramão, número de pediatras cresce
Na contramão do quantitativo de leitos, o número de pediatras no Rio Grande do Norte cresceu em quase 10 anos. Dados da última edição da pesquisa Demografia Médica no Brasil (DMB) apontam que o Estado registrava 472 profissionais da área em 2020. Em 2011 eram 197; em 2013 o número cresceu para 214; em 2015 e 2018, os dados apontavam para 318 e 412 pediatras, respectivamente.
O estudo, realizado pela primeira vez em 2011, contabiliza cinco edições, desenvolvidas ao longo desse período por meio de parceria entre o Conselho Federal de Medicina (CFM), o Conselho Regional de Saúde do Estado de São Paulo (Cremesp) e a Universidade do Estado de São Paulo (USP).
A professora do Dpedi/UFRN, Jussara Melo de Cerqueira, afirma que não considera haver excesso ou déficit de profissionais no Estado. Para ela, o que existe é uma má distribuição, com maior concentração na capital e escassez de pediatras no interior.
“Avalio que existe uma distribuição desigual, com profissionais mais localizados na capital do que nas regiões interioranas. Essa diferença poderia ser minimizada com a melhoria da estrutura e das condições de trabalho para que a gente possa aperfeiçoar a atenção às crianças de áreas mais remotas”, define a professora.
Jussara Cerqueira concorda com o presidente do Conselho Regional de Medicina do RN no sentido de que existe pouca valorização dos profissionais que atuam no setor, o que ainda provoca um interesse maior dos estudantes por outras especialidades médicas. Mas, apesar disso, a professora reconhece que o interesse pela área tem crescido nos últimos anos e, por isso, o crescimento do número de profissionais.
“A gente vem numa crescente. A própria busca dos programas de residência, como nós temos aqui no Huol [Hospital Universitário Onofre Lopes], o programa de residência de Pediatria e de especialidades pediátricas, nos dão um termômetro desse cenário de interesse”, destaca.
Fora do âmbito acadêmico, a professora defende a garantia de uma linha de cuidados nas unidades de Saúde, com uma hierarquização da assistência pediátrica nas mais diversas complexidades. “É importante garantir o funcionamento da regulação, para que seja assegurada, assim, uma assistência integral”, afirma.
“No Huol nós trabalhamos na lógica da integralidade do cuidado, fazendo com que a criança seja acompanhada por uma equipe multiprofissional, sem centralizar apenas no pediatra”, pontua a professora.
Leitos pediátricos no RN em 10 anos
2012: 1.249
2013: 1.171
2014: 1.128
2015: 1.076
2016: 960
2017: 948
2018: 895
2019: 854
2020: 855
2021: 886
2022: 817
Fonte: Datasus /Ministério da Saúde