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Rio Grande do Norte tem mais pessoas com Auxílio do que empregadas

O Rio Grande do Norte fechou o mês de março com menos postos de empregos formais do que beneficiários do Auxílio Brasil (AB). Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) apontam que o Estado terminou o primeiro trimestre de 2022 com 437.500 trabalhadores formais com carteira assinada (excluindo o setor público), enquanto que o número de beneficiários do programa Auxílio Brasil é de 443.398 potiguares. De acordo com especialistas ouvidos pela, o cenário é considerado preocupante e denuncia a fragilidade do mercado de trabalho potiguar.

Segundo levantamento do Ministério da Cidadania, o Rio Grande do Norte tem 443 mil beneficiários do auxílio do Governo Federal, que substituiu o Bolsa Família como um dos principais programas de transferência direta e indireta de renda para famílias em situação de pobreza e extrema pobreza. No mês passado, foram injetados R$ 181,2 milhões na economia local com o Auxílio Brasil. O rendimento médio de cada pessoa cadastrada no programa assistencial é de R$ 408, valor que cobre apenas 70% de uma cesta básica em Natal (R$ 575,33).

“É uma balança que pende para o lado da vulnerabilidade. Isso mostra a nossa situação no Estado, que é uma situação de absoluta dependência da proteção social. Nós temos um mercado de trabalho que é restrito para boa parte da população, um mercado informal que não dá conta de absorver toda essa massa gigantesca de pessoas e essas pessoas acabam precisando dessa proteção social, que é parte constituinte da nossa sociedade. Esses programas viraram parte fundamental de sustentação da vida”, comenta o economista Cassiano Trovão.

Somente em março passado, 1.069 postos de trabalho deixaram de existir no Rio Grande do Norte. Considerando os três primeiros meses deste ano, o saldo é ainda pior, com uma perda de 2.157 empregos. O dado registrado é 147% menor do que o contabilizado no mesmo período do ano passado, quando o Estado havia gerado 4.569 empregos de janeiro a março. Segundo o economista Janduir Nóbrega, o movimento foi ditado pela pandemia de covid. O especialista acrescenta ainda que a sazonalidade de postos de trabalho na agropecuária também ajuda a compreender o saldo negativo.

“Depois da parada geral do mercado por conta da pandemia, isso gerou lacunas de ofertas de produto e quando as coisas ficaram mais fáceis, no sentido sanitário, essa demanda precisou ser suprida de uma forma muito rápida, o que gerou essa quantidade de empregos.

Metade desses empregos foram oriundos do setor agropecuário, que naquele momento gerou empregos de uma forma muito rápida, está tendo seu encerramento da colheita, da cana-de-açúcar, das frutas e tudo isso impacta na demissão de funcionários. Vai começar um novo ciclo de produção, que vai gerar empregos no segundo semestre”, analisa Nóbrega.

O quadro de vulnerabilidade social observada no RN segue uma tendência regional, já que todos os estados do Nordeste apresentaram um número de beneficiários do Auxílio Brasil maior do que a quantidade de postos formais de trabalho (CLT). Além dos nove nordestinos, outros quatro estados do Norte formam o grupo dos que possuem mais dependentes do AB do que empregados. Em todo o país, 14 estados possuem mais trabalhadores formais do que beneficiários do auxílio (detalhes no box). 

No entanto, a perda de 1,069 empregos coloca o RN entre os quatro estados do Nordeste que tiveram saldo negativo de geração de trabalho. Além do estado potiguar, o Caged revelou que Alagoas (-10.029), Pernambuco (-6.091) e Sergipe (-2.502) tiveram mais demissões do que admissões em março. Os demais estados conseguiram ficar no verde e geraram novos postos de trabalho.

“A ideia é de que grande parte desse povo estivesse no outro lado da balança, trabalhando, ganhando sua remuneração e dando conforto para as suas famílias. Por outro lado, quando esse pacote atende parte da população, diminui a pressão no mercado de maneira geral e mantém o consumo de forma constante. Individualmente é pouco dinheiro, mas o montante geral termina sendo muito forte. Quando o Estado começar a gerar emprego e sair dessa lerdeza, a tendência natural é que parte dessa população, que está no auxílio, migre para o emprego. Seria a melhor coisa que poderia acontecer”, acrescenta o professor de economia Janduir Nóbrega.

Cassiano Trovão, que também é professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), destaca que a perspectiva a curto prazo não é positiva. “Faz 16 semanas que o mercado vem revisando as expectativas do IPCA para cima, ou seja, não existe sinal de melhora da inflação. Com isso, a resposta do BC é que a taxa de juros básica da economia vai subir e com ela todas as outras taxas”, explica.

O especialista acrescenta que o cenário de inflação em alta acaba distanciando as empresas de novos investimentos. “Com crédito mais caro para consumo, tudo aquilo que o empresário pode colocar em termos de produção e de investimento fica comprometido. Então, as expectativas não são nada boas”, complementa.

Famílias se desdobram com R$ 400

Com o Auxílio Brasil de R$ 400 como única renda fixa mensal, a dona de casa Maria Lúcia, de 57 anos, conta que precisa “fazer mágica” todos os meses para sobreviver com o benefício do Governo Federal. Com o dinheiro, ela diz que consegue ajudar nas contas do mês e fazer uma pequena feira no supermercado, mas nem sempre é assim. “Tomo remédio controlado e é mais um gasto. A situação está muito difícil, se fosse pelo menos os R$ 600 do auxílio emergencial ficaria melhor. A gente tem que escolher o que vai fazer, que conta vai pagar no mês porque o dinheiro é curto”, diz.

A moradora do bairro Cidade da Esperança, na zona Oeste de Natal, afirma que atualmente a maior dificuldade é ir ao supermercado. Isso porque, de acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a cesta básica está custando R$ 575,33 na capital potiguar, o que representa um aumento de 20,4% em um ano. “A gente vai no supermercado e qualquer sacolinha já está custando R$ 100, está sem condições um negócio desses. Quando eu tinha minha saúde ainda trabalhava na feira, mas hoje não tenho mais condições. Tenho 57 anos e nunca trabalhei CLT, é difícil a situação”, comenta.

Situação semelhante vive Maria Aparecida, 51, moradora do bairro das Quintas. O auxílio de R$ 400 é a principal renda mensal dela, que é complementada com ajuda de familiares. “Não tem muito o que fazer não, dá para ajudar na conta de luz, no botijão de gás, que também está nas alturas, mas é isso, a situação hoje é complicada para a gente. Eu trabalhava de diarista, mas hoje já estou muito velho e não tenho mais condições”, desabafa a natalense.

De acordo com a Secretaria de Estado do Trabalho, da Habitação e da Assistência Social (Sethas), o Rio Grande do Norte tem 1,8 milhão de pessoas inscritas no Cadastro Único, que é a porta de acesso aos programas de assistência social do governo. Deste total, 1.140.550 estão classificadas em situação de extrema pobreza (432.758 famílias) e outras 150.906 pessoas estão classificadas no grupo da pobreza (52.923 famílias). Para o economista Cassiano Trovão, especialista em mercado de trabalho e desigualdade, o cenário expõe a dependência da população em relação aos programas de proteção social.

“Imagina se esses programas, o Bolsa Família e agora o Auxílio Brasil não existissem, o que seria desses potiguares? Isso nos leva a defender a questão da proteção social, de reconhecer a importância do papel do Estado em uma situação como essa de dificuldade econômica e social, em decorrência de uma fragilidade do mercado de trabalho”, pontua Trovão.

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